Transcorre nesta terça-feira (2), o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Várias atividades estão programadas país afora para marcar a data. Mas, para o juiz Luís Ricardo Catta Preta Silva Fulgoni, da Justiça estadual do Paraná, a conscientização é todo dia. Nascido em Volta Redonda, onde viveu até recentemente, o magistrado foi diagnosticado com autismo somente em 2021, aos 34 anos, após crises causadas pela pandemia de Covid-19.
“Hoje, a minha missão é quebrar essa barreira do preconceito e fazer com que outras pessoas autistas nunca deixem de sonhar”, afirma Fulgoni, que, em sua página no Instagram, se apresenta como autista e juiz de direito.
A infância e a adolescência em Volta Redonda foram difíceis para Ricardo. Ele não conseguia conversar com outras pessoas da sua idade e evitava ambientes muito cheios. Era incompreendido pelos colegas e, por não conseguir se enturmar, foi vítima de bullying.
“Eu sempre tive a compreensão de que era diferente. Que eu não conseguia fazer as mesmas coisas que as pessoas faziam. Falavam que eu era chato, enjoado, antissocial”, relembra. “Eu achava que era só isso. Não imaginava que tivesse um diagnóstico para isso”.
Fulgoni tomou posse como juiz de direito no Paraná em 2022, pouco depois de descobrir o motivo de ter tanta dificuldade para se relacionar com outras pessoas. “Os anos foram passando. Na vida adulta, eu, com a compreensão de que era diferente, fui seguindo a vida. Sabia que não conseguia fazer algumas coisas, mas fui seguindo, criando estratégias para superar as minhas dificuldades”.
Quando chegou a pandemia, ele ainda era oficial de Justiça e se preparava para o concurso da magistratura. A mudança de rotina, provocada pelo isolamento social, prejudicou seu cronograma de estudos e isso o afetou muito. “Eu tinha provas já marcadas e estava com um cronograma de estudos muito bem desenhado. Eu sempre fui muito apegado ao planejamento, ao cronograma, à programação. Preciso disso para me sentir confortável. Imprevistos sempre foram muito difíceis para mim. E a pandemia foi uma quebra de rotina gigantesca. Eu tinha o roteiro todo traçado, com as datas das provas que eu ia fazer e aquilo me derrubou”.
Afetado pelas grandes mudanças e sem vontade de sair da cama, Fulgoni pensou que estava com depressão, procurou ajuda profissional e começou a se tratar com antidepressivos. Mas isso não resolveu o problema.
“Depois de vários meses, nessas idas e vindas, tentando entender o que estava acontecendo comigo, veio a sugestão de que essas minhas crises de ficar de cama o dia inteiro poderiam não ser decorrentes da depressão, mas ser algo típico do autismo. Tem até um nome para isso: shutdown, que é o desligamento. Quando você está num nível de sobrecarga sensorial muito forte, seu corpo simplesmente desliga”.
Diagnóstico – O diagnóstico, inicialmente, foi um choque. Ricardo Fulgoni tinha a visão de que o autista era uma pessoa incapaz, que não conseguia trabalhar e que dependia da família. Não era o seu caso: ele trabalhava desde os 18 anos, quando se tornou servidor público do INSS em Volta Redonda.
“Então passei por uma avaliação neuropsicológica e veio a confirmação. Nesse processo, passei a estudar o tema e, quando comecei a ler sobre o que era o autismo, os sintomas, as características, estava ali um manual de instruções da minha vida. Estavam explicadas todas as dificuldades que tive. O diagnóstico foi libertador, porque tirou de mim toda a carga de culpa que eu carregava, de ser antissocial, ser chato, ser enjoado”, explicou.
Mesmo com dúvidas sobre se conseguiria se tornar juiz depois do diagnóstico, ele seguiu em frente e foi aprovado no concurso. Não esconde que tinha medo do preconceito no ambiente de trabalho, mas foi muito bem acolhido por outros juízes e pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), instituição que o ajudou com as dificuldades e garantiu-lhe todo o suporte necessário.
Um dos motivos que o levaram a escolher o curso de direito foi a morte da irmã, Priscilla, assassinada pelo namorado, em 2006, em Volta Redonda. Fulgoni destaca que era bastante apegado à irmã e que os dois mantinham um laço afetivo muito forte. O criminoso fugiu, mas foi preso duas semanas depois, julgado e condenado a nove anos de reclusão.
Hoje, o juiz defende que é necessário falar sobre o autismo para que a barreira do preconceito seja rompida. “Sinto que, por ter chegado até aqui, é a minha missão falar, expor, incentivar outras pessoas autistas a seguirem seus sonhos. Se tem uma mensagem que eu queria passar, é ‘nunca deixe de sonhar’. O sonho é o combustível da vida”, destacou. Com reportagens do Correio Braziliense e Agência Brasil. (Foto: Reprodução)