Parentes e amigos do pedreiro Alison da Silva Corrêa, de 22 anos, estão programando para a próxima semana uma manifestação no Fórum de Volta Redonda. O objetivo é demonstrar que o rapaz está preso injustamente desde o dia 27 do mês passado, quando a Polícia Civil realizou a operação Alcateia, contra suspeitos de tráfico de drogas na cidade.
Alison – que não tem antecedentes criminais – teve a prisão pedida pela polícia, corroborada pelo Ministério Público e autorizada pela Justiça com base em mensagens de WhatsApp encontradas no celular de um traficante, apreendido quatro meses atrás. Detalhe: as mensagens que levaram o pedreiro à prisão foram trocadas pelo traficante, conhecido apenas como “MK”, com um jovem cujo apelido é Zeca.
A polícia considerou o apelido como sendo do pedreiro, quando, na verdade, é do irmão dele, Jarlan da Silva Corrêa, de 20 anos, preso em flagrante pela Polícia Militar no dia 24 de agosto deste ano. Respondendo por tráfico, associação para o tráfico de drogas e porte ilegal de arma, Jarlan sai em defesa de Alison.
“Estão cometendo um erro e não querem assumir. Podem soltar ele e me prender. Alison é um trabalhador, tem um filho para criar. Estou assumindo que o Zeca sou eu”, diz Jarlan. “Não há prova nenhuma contra ele. Quero que a justiça seja feita. Estou aqui assumindo que o vulgo Zeca sou eu. Meu irmão nunca se envolveu com nada [de ilegal]”, acrescenta.
Ele, por sinal, também assinou uma declaração, reconhecida em cartório, assegurando que é o Zeca que aparece nas mensagens e não seu irmão. Até agora, o documento foi ignorado pelo MPRJ e a Justiça. A mulher de Alison, a dona de casa Thayane Alves de Freitas Corrêa, também de 22 anos, tem em mãos até declarações de dois policiais militares. Um deles foi quem prendeu Jarlan, confirmando que o apelido dele é Zeca. Outro PM, evangélico assim como Alison, mas de congregação diferente, afirma que o preso “é conhecido no bairro Açude como um rapaz de família, trabalhador, cristão, aonde (sic) não tem nenhum envolvimento com o tráfico de drogas nem qualquer outra coisa que possa comprometê-lo com a Justiça”.
A PRISÃO – Alison foi preso em casa, no Açude I, onde mora com a mulher e o filho de 1 ano e 7 meses, quando saía para trabalhar. Por uma infeliz coincidência, a prisão do pedreiro ocorreu quase ao mesmo tempo em que Jarlan deixava a cadeia, beneficiado por um habeas corpus. Inconformado com a prisão do irmão, Jarlan procurou o Ministério Público, acompanhado do advogado contratado pela família, para dizer que o Zeca que aparece nas mensagens é ele – e não Alison.
Há fortes indícios de erros de investigação da polícia. O número do aparelho usado por Zeca nas conversas com o traficante sequer está em nome de Alison ou mesmo de Jarlan, mas da mãe dos dois jovens. O mandado de prisão foi expedido para ser cumprido na casa da mãe de Jarlan e Alison, sendo que este último há anos não mora no local. A defesa de Alison, logo após a prisão, entrou com um pedido de habeas corpus, no dia 28 do mês passado, junto ao juiz de plantão na região no fim de semana seguinte – véspera do feriado prolongado de Finados – em Resende. Segundo o advogado Vitor de Oliveira da Silva, embora tenha considerado o requerimento “sensível”, o magistrado preferiu não decidir por não ter havido, até então, manifestação a respeito do juiz Alexandre de Carvalho, da 2ª Vara Criminal de Volta Redonda, que decretou a prisão.
A mesma posição foi adotada por uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao qual a defesa recorreu em seguida. Por fim, o juiz que decretou a prisão se negou a revogar a prisão preventiva. Ele teria alegado que, mais que haja indícios de inocência, será preciso aguardar a audiência. “A situação que temos hoje é a seguinte: o habeas corpus ainda vai ser pautado e estamos aguardando a manifestação do MP”, informou o advogado Vitor de Oliveira, para quem “claramente está preso um inocente”. Segundo ele, o pedreiro já ofereceu a senha de seu celular para que o aparelho seja periciado, não sendo necessária a quebra de sigilo. “Quem é que sabe quando isso vai ser anexado ao processo?”, questiona o advogado, ao lembrar que são mais de 30 denunciados.
FAMÍLIA – Alison passou a morar na casa dos sogros a partir dos 15 anos de idade, desde que à eles pediu autorização para namorar Thayane, então adolescente com a mesma idade dele, e que viria a se tornar sua mulher. Emocionado, o sogro Geraldo Gonçalves de Freitas, de 57 anos, chorou ao conversar com a reportagem. Conta que Alison dormiu na sala de sua casa até o casamento. “Ele nunca desrespeitou minha família mesmo estando dentro da minha casa. Só tiveram filho depois de casados”, diz Geraldo, que ensinou ao genro a profissão de pedreiro. Juntos, eles construíram a casa onde Alison mora com Thayane e o filho. “Desde que ele se casou, sua vida sempre foi trabalhar”, acrescenta a sogra Neuza Alves de Freitas.
Desde que o marido foi preso, Thayane está fora de sua residência. Junto com o filho, esta abrigada na casa dos pais, que fica no mesmo lote. “Não consigo ficar dentro de casa”, diz, contando que, de tanto insistir por um contato, o promotor do caso teria ligado para ela se comprometendo a dar uma especial atenção ao caso, mas alegando que as provas contra seu marido seriam verdadeiras e que precisaria fazer uma investigação no telefone apreendido com Alison.
Com a prisão do marido, Thayane e o filho já passam por dificuldades. As contas estão atrasadas. “Ele é o provedor da casa. Preciso que esta investigação no telefone dele seja rápida, para que ele possa voltar a trabalhar e traga sustento para dentro de casa”, apela a mulher, preocupada com o estado psicológico de Alison. Embora esteja sem contato com ele desde a prisão, Thayane diz ter informações de que o marido tem tido seguidas crises de ansiedade. “E meu filho está sentindo demais a ausência do pai”, ressalta.
A alimentação para ela e a criança foram conseguidas através de uma cesta básica doada pela Assembleia de Deus – Ministério de Madureira. Alison é coordenador do Grupo da Juventude da igreja, onde também atua como baterista no grupo musical. “Eu acredito, sim, na inocência do Alison, até que se prove o contrário. Não o conheço há muito tempo, diria que há menos de um ano, mas, durante esse tempo, ele se mostrou ser um rapaz trabalhador, um pai de família, frequentador dos cultos e também atuava como baterista da igreja. Juntamente com sua esposa, auxiliava também os coordenadores de adolescentes da igreja no bairro Açude I”, atesta o pastor Vitor Martins Gomes. Após a publicação desta reportagem, no início da noite o Ministério do Público do Estado do Rio de Janeiro encaminhou uma nota a respeito do caso, por meio de sua assessoria de imprensa. A íntegra é a que segue:
“O processo em referência foi iniciado pela Promotoria de Justiça de Investigação Penal de Volta Redonda e, atualmente, está sob o encargo da 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Volta Redonda. De acordo com a 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Volta Redonda, a identificação de “ZECA”, segundo a polícia, ocorreu da seguinte forma: o telefone através do qual ele se comunicava com os demais integrantes do tráfico de drogas da região encontra-se em nome de sua mãe. E durante trabalho de campo realizado pelos policiais civis da 93ª DP, foi apurado que é realmente ALISON quem atende pelo codinome “ZECA”. Após assumir o caso, a 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Volta Redonda teve a oportunidade de atender o advogado do acusado, bem como a esposa (sendo este último atendimento mediante contato telefônico). Diante da situação apresentada, foi estabelecido contato com delegado responsável pela investigação, que reforçou o comprometimento e a seriedade de sua equipe na condução do caso e, posteriormente, apresentou no processo nova informação de sua equipe, ratificando o trabalho de campo feito anteriormente. Por tal motivo, e por se tratarem de crimes de enorme gravidade, a 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Volta Redonda se manifestou pela manutenção, por ora, da prisão preventiva do acusado, sendo que, na data de ontem, o Juízo da 2ª Vara Criminal de Volta Redonda manteve a sua prisão preventiva”.
Já a defesa de Alison também se manifestou, em nota, em razão do posiconamento do MPRJ. “Considerando a manifestação do MPRJ, após a publicação desta reportagem, a defesa técnica de Alisson se vê no dever de prestar alguns esclarecimentos. A boa-fé processual exige que se reconheça que o atual promotor de justiça responsável, que entrou no processo após a decretação da prisão de Alisson, demonstrou estar sensível às provas que lhe foram apresentadas, o que o levou, inclusive, a requerer a realização de perícia no celular de Alisson de forma prioritária e urgente, requerimento que ainda aguarda decisão do juízo.
Ocorre, porém, que embora se reconheça o compromisso do ilustre promotor com o esclarecimento dos fatos, é preciso deixar claro que a manutenção da prisão preventiva de Alisson é inaceitável. A atribuição do apelido (Zeca) a Alisson partiu de premissas absolutamente obscuras. No curso da investigação se disse que Alisson atenderia pela alcunha de Zeca sem que fosse esclarecido, sequer minimamente, de que forma se chegou a esta constatação. A polícia se limitou a dizer que a identificação fora realizada em trabalho de campo. Nada mais. Esta lacônica “identificação” realizada pela autoridade policial se contrapõe às declarações de centenas de pessoas que conhecem Alisson e Jarlan, de dois policiais militares e do próprio Jarlan, as quais atestam que o apelido Zeca é atribuído a Jarlan e não a Alisson, tendo Jarlan, inclusive, comparecido espontaneamente ao MP para assumir a responsabilidade por seus atos. À luz de todos estes elementos, não há como aceitar que Alisson permaneça preso em razão de um crime que flagrantemente não cometeu. A defesa reforça, portanto, seu inalienável compromisso com a demonstração do equívoco que levou Alisson ao encarceramento e com sua imediata colocação em liberdade, e aguarda que o judiciário cumpra sua função garantidora dos direitos fundamentais e revogue a prisão preventiva de alguém que jamais deveria ter sido levado à prisão”.
Esta reportagem foi produzida em parceria com o Foco Regional. (Fotos: Informa Cidade e Foco Regional)