O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) emitiu, em sessão plenária realizada nesta quarta-feira (05), parecer prévio contrário à aprovação das contas de governo dos chefes do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro referentes ao ano de 2018. No período, Luiz Fernando de Souza foi o governador entre 1º de janeiro e 28 de novembro, enquanto Francisco Oswaldo Dornelles foi governador no período compreendido entre 29 de novembro e 31 de dezembro. O voto foi aprovado por unanimidade no plenário e foi relatado pela conselheira substituta Andrea Siqueira Martins.
Tanto o Corpo Instrutivo do TCE-RJ quanto o Ministério Público de Contas também concluíram pelo parecer contrário à aprovação das contas de governo. Considerando as duas manifestações, foi aberto prazo legal para apresentação das razões de defesa, o que foi feito por Luiz Fernando de Souza e pela Secretaria Estadual de Fazenda. Após reexame, todas as instâncias desta Corte consideraram que as alegações apresentadas não foram suficientes para justificar as irregularidades verificadas. O voto aponta 14 irregularidades, além de 31 impropriedades, 68 determinações e cinco recomendações, sendo uma delas em decorrência de um destaque para o Plano de Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro firmado entre os governos Estadual e Federal em 2017.
No que tange às vedações impostas pelo Regime de Recuperação Fiscal, o Conselho de Supervisão identificou indícios de descumprimento de algumas delas, que representam impactos significativos para o período, e que, caso venham a se concretizar, são causas passíveis de extinção do Regime. Essas possíveis violações se relacionam à concessão de reajuste ou adequação remuneratória, o que é vedado durante o Regime, considerando as medidas de limitação de gastos com pessoal previstas, especificamente a proibição de concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, exceto a decorrente de sentença judicial transitada em julgado, podendo, portanto, gerar reflexos na consecução do Plano.
Dados técnicos comprovam que o Estado do Rio pouco progrediu no caminho do equilíbrio das finanças públicas, na medida em que a redução das despesas com pessoal e obrigações contraídas pelo Estado ainda não refletiu uma mudança significativa da trajetória da dívida consolidada líquida em relação à receita corrente líquida, em cuja razão houve um discreto decréscimo dos 269,7%, apurados no exercício de 2017, para os atuais 262,9%, de 2018.
Veja abaixo o trecho extraído do voto que culmina numa RECOMENDAÇÃO à Secretaria Estadual de Fazenda:
A tímida recuperação fiscal do Estado do Rio de Janeiro sob a égide do Regime de Recuperação Fiscal, por certo, decorre de um conjunto de fatores que compreendem: (i) o atraso ou frustração na implementação de medidas de ajuste pactuadas, mormente, aquelas relativas ao incremento pontual de receitas e à redução continuada de despesas, conforme sintetizado na tabela a seguir; bem como (ii) os fortes indícios de violação de 5 (cinco) das 12 (doze) vedações imposta pelo artigo 8º, da Lei Complementar nº 159/17, destinadas à contenção de despesas.
Acrescente-se, neste contexto, pela suma importância que assume nos destinos da recuperação fiscal do Estado do Rio de Janeiro, a controvérsia instaurada, em razão do entendimento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no que concerne à metodologia de cálculo do saldo devedor dos contratos de dívida em que houve renúncia do direito de ação por parte do Estado, como forma de aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, eis que o incremento de aproximadamente R$ 13 bilhões no saldo devedor, além de seu efeito imediato, será capitalizado até o prazo máximo do contrato, cujas parcelas se alongam até o ano de 2049, o que impacta exponencialmente as finanças do Estado do Rio de Janeiro.
Desta forma, sinalize-se que o distanciamento entre os resultados alcançados com as medidas de ajuste e aqueles originalmente previstos, durante o primeiro ano de vigência do PRF-RJ, além dos atrasos/frustrações na implementação de medidas, sem a devida adoção de medidas compensatórias, impactam negativamente o resultado financeiro acordado no Plano, podendo comprometer o cumprimento do objetivo precípuo do Regime de Recuperação Fiscal, qual seja, a retomada do equilíbrio das contas públicas.
Os resultados das ações de controle externo executadas em 2018 por este Tribunal de Contas, no que diz respeito ao PRF-RJ, indicam, ainda, indícios de inobservância às vedações impostas pela LCF nº 159/17, e caso venham a se concretizar, podem configurar causa de extinção do RRF, conforme dispõe o art. 13 do referido diploma legal, sobretudo em um cenário de restrição orçamentário-financeira do Estado.
Diante do diagnóstico de desempenho das medidas de ajuste, bem como das vedações previstas no Regime de Recuperação Fiscal, na linha do pronunciamento do Conselho de Supervisão, acompanho a sugestão de encaminhamento formulada pelo corpo técnico, no sentido de expedir RECOMENDAÇÃO à SEFAZ, para que seja promovida a revisão do Plano de Recuperação Fiscal, considerando os impactos estimados das medidas e sua adequação à realidade financeira do Estado, devendo observar, na atualização das projeções do PRF, os resultados alcançados ao longo do primeiro ano do Plano, com objetivo de propiciar a efetiva retomada do equilíbrio fiscal e financeiro do Estado.
Veja abaixo todas as irregularidades apontadas no voto:
IRREGULARIDADE nº 01 (Tópico 5 – Gestão Orçamentária, Financeira e Patrimonial)
– O valor de multas e juros repassados aos municípios é inferior à vinculação constitucionalmente prevista, em função da exclusão, indevida, das multas e juros de mora destinadas ao Fundo de Administração Fazendária – FAF (Lei Complementar Estadual nº 134/09), da base de cálculo para repartição de receitas aos municípios, tendo o Governo do Estado descumprido reiteradamente o disposto nos incisos III e IV do artigo 158 c/c artigo 160, ambos da Constituição Federal.
IRREGULARIDADE nº 02 (Tópico 5 – Gestão Orçamentária, Financeira e Patrimonial)
– Déficits financeiros ao longo da gestão que, no término do mandato (2018), culminaram no montante de R$ 13,872 bilhões, sendo R$ 13,494 bilhões constantes ao balanço patrimonial; R$ 168,44 milhões referentes a cancelamentos de restos a pagar processados sem a devida justificativa; e R$ 209,34 milhões a despesas realizadas sem o devido registro contábil, fato que indica a não adoção de ações planejadas com o intuito de alcançar o equilíbrio financeiro necessário ao atendimento do § 1º do artigo 1º da Lei Complementar Federal n.º 101/00.
IRREGULARIDADE nº 03 (Tópico 6 – Da Responsabilidade na Gestão Fiscal)
– O Governo do Estado realizou, sem apresentar justificativa, cancelamentos de restos a pagar processados no montante de R$ 168.441.701 (cento e sessenta e oito milhões, quatrocentos e quarenta e um mil e setecentos e um reais), o que contraria as normas gerais de contabilidade pública e de transparência, notadamente o disposto no art. 1º, § 1º, e art. 48, inciso II, ambos da LRF, e os artigos 36, 50, 63, 85 e 90 da Lei Federal nº 4.320/64 e, ainda, os critérios de definição e mensuração do passivo, definidos na “NBC TSP Estrutura Conceitual” emitida pelo Conselho Federal de Contabilidade – CFC.
IRREGULARIDADE N° 04 (Tópico 6 – Da Responsabilidade na Gestão Fiscal)
– Foram realizadas despesas sem o devido registro contábil no montante de R$ 209.338.652 (duzentos e nove milhões, trezentos e trinta e oito mil e seiscentos e cinquenta e dois reais), conforme Planilha “Despesas realizadas não inscritas em restos a pagar”, uma vez que as mesmas não foram empenhadas ou tiveram seus empenhos anulados, contrariando as normas gerais de contabilidade pública, notadamente o inciso II do artigo 50 da Lei Complementar Federal nº 101/00 c/c os artigos 60, 85, 89 e 90 da Lei Federal nº 4.320/64 e a NBC TSP Estrutura Conceitual, do Conselho Federal de Contabilidade.
IRREGULARIDADE Nº 05 (Tópico 6 – Da Responsabilidade na Gestão Fiscal)
– Não cumprimento dos ditames do artigo 42 da Lei Complementar Federal nº 101/00, que veda, nos dois últimos quadrimestres do mandato, a assunção de obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Conforme os dados do presente relatório, foi apurada, em 31.12.2018, uma insuficiência de caixa no montante de R$ 13.369.121.325 (treze bilhões, trezentos e sessenta e nove milhões, cento e vinte e um mil e trezentos e vinte e cinco reais), sendo o total de R$ 179.366.788 (cento e setenta e nove milhões, trezentos e sessenta e seis mil e setecentos e oitenta e oito reais), referente a obrigações de despesas contraídas sem o devido suporte financeiro.
IRREGULARIDADE Nº 06 (Tópico 7 – Ações e Serviços Públicos de Saúde)
– O Governo do Estado do Rio de Janeiro descumpriu o limite mínimo de aplicação de recursos em Ações e Serviços Públicos de Saúde, contrariando o disposto no artigo 6º da Lei Complementar Federal nº 141/12 c/c o inciso II, §2º, artigo 198 de Constituição Federal, ao aplicar 6,56% das receitas de impostos e transferências previstas nos referidos dispositivos legais.
IRREGULARIDADE Nº 07 (Tópico 7 – Ações e Serviços Públicos de Saúde)
– O Governo do Estado não aplicou, integralmente, o valor referente à diferença entre o percentual relativo ao exercício de 2017 e o mínimo previsto na Lei Complementar Federal nº 141/12, contrariando o estabelecido no artigo 25 dessa Lei, ao executar, em 2017, apenas R$ 60.096.435 (sessenta milhões, noventa e seis mil, quatrocentos e trinta e cinco reais) do total de R$ 2.070.501.788 (dois bilhões, setenta milhões, quinhentos e um mil, setecentos e oitenta e oito reais) devidos.
IRREGULARIDADE nº 08 (Tópico 7 – Ações e Serviços Públicos de Saúde)
– O Governo do Estado não transferiu ao Fundo Estadual de Saúde a cota financeira — prevista no artigo 6º da Lei Complementar Federal nº 141/2012 — oriunda da arrecadação de receitas de impostos e transferências de impostos elegíveis, comprometendo a realização das ações e serviços públicos de saúde no exercício de 2018.
IRREGULARIDADE nº 09 (Tópico 8 – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino)
– O Governo do Estado aplicou 24,82% de suas receitas de impostos e transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino, descumprindo o limite mínimo (25%) estabelecido no artigo 212 da Constituição Federal.
IRREGULARIDADE nº 10 (Tópico 8 – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino)
– Não inclusão, na base de cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, das parcelas referentes ao adicional de ICMS (Lei Estadual nº 4.056/02 – FECP) e das multas da Lei Complementar Estadual nº 134/09, destinadas ao Fundo de Administração Fazendária – FAF, tendo o Governo do ERJ descumprido, reiteradamente, o disposto no art. 60, II do ADCT c/c art. 3º, IX da Lei Federal nº 11.494/07.
IRREGULARIDADE Nº 11 (Tópico 9 – Demais Vinculações e Limites Legais)
– O Governo do Estado vem, reiteradamente, descumprindo o estabelecido no art. 332 da Constituição Estadual, tendo sido destinado à Faperj, no exercício de 2018, o percentual de 0,70% da receita tributária do exercício, deduzidas as transferências e vinculações constitucionais e legais.
IRREGULARIDADE Nº 12 (Tópico 9 – Demais Vinculações e Limites Legais)
– Não transferência financeira, integral, dos recursos oriundos do FECP, em favor do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social – FEHIS, sendo apurada a aplicação, pelo FEHIS, do percentual de 1,12% da base de cálculo – R$ 53.089.539 (cinquenta e três milhões, oitenta e nove mil e quinhentos e trinta e nove reais) –, quando deveriam ter sido transferidos, pelo menos, R$ 474.262.758 (10%) (quatrocentos e setenta e quatro milhões, duzentos e sessenta e dois mil e setecentos e cinquenta e oito reais), nos termos do art. 4º da Lei Estadual nº 4.962/06 c/c art. 3º, §3º, da Lei Estadual nº 4.056/02.
IRREGULARIDADE Nº 13 (Tópico 9 – Demais Vinculações e Limites Legais)
– Não aplicação da totalidade dos recursos vinculados ao FECAM, prevista no §1º do art. 263 da Constituição Estadual, uma vez que deixou de aplicar R$ 181.096.950 (cento e oitenta e um milhões, noventa e seis mil, novecentos e cinquenta reais).
IRREGULARIDADE Nº 14 (Tópico 11 – Previdência do Estado do Rio de Janeiro)
– Deixar de repassar ao RIOPREVIDÊNCIA, ou repassar intempestivamente, as contribuições previdenciárias patronais e dos servidores, totalizando créditos de transferência a receber, referentes ao exercício de 2018, na ordem R$ 13.333.516 (treze milhões, trezentos e trinta e três mil e quinhentos e dezesseis reais), sendo R$ 1.260.231 (um milhão, duzentos e sessenta mil e duzentos e trinta e um reais), relativos ao plano previdenciário, e R$ 12.073.285 (doze milhões, setenta e três mil e duzentos e oitenta e cinco reais), ao plano financeiro, registrando, ainda, a existência de créditos de exercícios anteriores pendentes de repasse, no total de R$ 203.709.532 (duzentos e três milhões, setecentos e nove mil e quinhentos e trinta e dois reais), prejudicando a saúde financeira do regime previdenciário, em afronta ao disposto no artigo 149, §1º, e 195, incisos I e II, da Constituição Federal, o que pode vir a caracterizar, em tese, crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no artigo 168-A do Código Penal (Decreto-Lei n.º 2.848/40), no que se refere às contribuições recolhidas dos servidores.
O documento seguirá agora para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), que julgará as contas tendo como base o parecer técnico emitido pelo TCE-RJ. O Poder Legislativo é o responsável por esse julgamento, de acordo com a legislação. Não há data para que o tema seja apreciado pela ALERJ.
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